Faculdades do Espírito
Conversas Familiares de Além-Túmulo
PAUL GAIMARD
Médico da marinha e viajante naturalista, falecido no dia 11 de dezembro de 1858, com 58 anos de idade. Evocado a 24 do mesmo mês por um de seus amigos, o Sr. Sardou.
1. Evocação.
Resp. – Eis-me aqui. Que desejas?

2. Qual é o teu estado atual?
Resp. – Erro como os Espíritos que deixam a Terra e que desejam avançar na senda do bem. Buscamos, estudamos e depois escolhemos.

3. Tuas idéias sobre a natureza do homem modificaram-se?
Resp. – Muito. Bem podeis avaliar.

4. Que pensas agora do gênero de vida que levaste durante a existência que acabas de deixar aqui na Terra?
Resp. – Estou contente porque trabalhei.

5. Para o homem, acreditavas que tudo se acabasse no túmulo. Daí o teu epicurismo e o desejo que algumas vezes exprimias de viver bastante para aproveitar a vida. Que pensas dos vivos que têm apenas essa filosofia?
Resp. – Eu os lamento, embora isso lhes sirva; com tal sistema podem apreciar friamente tudo quanto entusiasma os outros homens, permitindo-lhes julgar de maneira sadia muitas coisas que fascinam os crédulos.

Observação – É a opinião pessoal do Espírito. Nós a damos como tal e não como máxima.

6. O homem que se esforça moralmente, mais que intelectualmente, age melhor do que aquele que se liga sobretudo ao progresso intelectual e negligencia o progresso moral?
Resp. – Sim. O progresso moral é mais importante.
Deus dá o espírito como recompensa aos bons, enquanto o moral deve ser adquirido.

7. Que entendes por espírito que Deus dá?
Resp. – Uma vasta inteligência.

8. Entretanto há muitas pessoas más que possuem uma vasta inteligência.
Resp. – Já o disse. Perguntastes o que era preferível buscar adquirir e eu vos disse que o moral era preferível. Mas quem trabalha o aperfeiçoamento de seu Espírito pode adquirir um alto grau de inteligência. Quando entendereis com facilidade?

9. Estás completamente desprendido da influência material do corpo?
Resp. – Sim. Aquilo que sobre isso vos foi dito não compreende senão uma classe da Humanidade.

Observação – Aconteceu muitas vezes que Espíritos evocados, mesmo alguns meses depois de sua morte, declararam encontrar-se ainda sob a influência da matéria. Entretanto, todos eles tinham sido homens que não haviam progredido moralmente, nem intelectualmente. É a essa parte da Humanidade que se refere o Espírito Paul Gaimard.

10. Tiveste na Terra outras existências além da última?
Resp. – Sim.

11. Esta última é a conseqüência da precedente?
Resp. – Não; houve um grande intervalo entre elas.

12. Malgrado esse longo intervalo, não poderia haver,entretanto, uma certa relação entre essas duas existências?
Resp. – Se me fiz entender, cada minuto de nossa vida é conseqüência do minuto que o precede.

Observação – O Dr. B..., que assistia a esta reunião,externou a opinião de que certas tendências, certos instintos, por vezes despertados em nós, bem poderiam ser o reflexo de uma existência anterior. Citou vários fatos perfeitamente constatados em mulheres jovens que, durante a gravidez, se viram impelidas a atos ferozes, por exemplo, uma que se lançou sobre o braço de um açougueiro e lhe deu grandes dentadas; outra que cortou a cabeça de uma criança e ela mesma a levou ao comissário de polícia; uma terceira que matou o marido, cortou-o em pedacinhos, salgou-o e dele se alimentou durante vários dias. O médico perguntou se aquelas mulheres não haviam sido antropófagas numa existência anterior.

13. Ouviste o que acaba de dizer o Dr. B...; nas mulheres grávidas, os instintos que conhecemos sob o nome de desejos não resultariam de hábitos contraídos numa existência anterior?
Resp. – Não; resultam de uma loucura transitória; de uma paixão no seu mais alto grau. O Espírito fica eclipsado pela vontade.

Observação – O Dr. B... faz notar que os médicos consideram realmente esses fatos como casos de loucura transitória. Nós compartilhamos essa opinião, mas não pelos mesmos motivos, pois as pessoas que não estão familiarizadas com os fenômenos espíritas geralmente são levadas a atribuí-los exclusivamente às causas que conhecem. Estamos persuadidos de que devemos ter reminiscências de certas disposições morais anteriores; diremos até que é impossível que seja de outro modo, pois o progresso não se realiza senão gradualmente. Mas aqui não é o caso, e o que o prova é o fato de as pessoas mencionadas não demonstrarem nenhum sinal de agressividade fora de seu estado patológico; evidentemente, nelas só havia uma perturbação momentânea das faculdades morais. Reconhece-se o reflexo das disposições anteriores por outros sinais, de certa maneira inequívocos, e que desenvolveremos em artigo especial, apoiado pelos fatos.

14. Em tua última existência houve simultaneamente progresso moral e intelectual?
Resp. – Sim; sobretudo intelectual.

15. Poderias dizer-nos qual foi o gênero de tua penúltima existência?
Resp. – Oh! fui obscuro. Tive uma família que tornei infeliz; mais tarde o expiei amargamente. Mas por que mo perguntais? Isso já passou e agora me encontro em novas fases.

Observação – P. Gaimard morreu celibatário, com 64 anos de idade. Mais de uma vez lamentou não haver constituído um lar.

16. Esperas reencarnar dentro de pouco tempo?
Resp. – Não; antes eu quero pesquisar. Gostamos desse estado de erraticidade porque a alma tem mais domínio de si; o Espírito tem mais consciência de sua força; a carne pesa, obscurece e entrava.

Observação – Todos os Espíritos afirmam que no estado de erraticidade pesquisam, estudam e observam, a fim de poderem escolher. Não está aí a contrapartida da vida corporal? Muitas vezes não erramos durante anos, antes de nos fixarmos na carreira que julgamos mais adequada à nossa caminhada evolutiva? Por vezes não mudamos, à medida que avançamos em idade? Cada dia não é empregado na busca do que faremos no dia seguinte?
Ora, o que representam as diferentes existências corporais para os Espíritos, senão fases, períodos, dias da vida espírita que, como sabemos, é a vida normal, já que a vida corporal é transitória e passageira? Haverá algo mais sublime do que essa teoria? Não está em consonância com a harmonia grandiosa do Universo? Ainda uma vez, não fomos nós que a inventamos e lamentamos não possuir esse mérito; porém, quanto mais nos aprofundamos mais a achamos fecunda na solução de problemas até agora inexplicados.

17. Em que planeta pensas ou desejas reencarnar?
Resp. – Não sei: dai-me tempo para procurar.

18. Que gênero de existência pedirás a Deus?
Resp. – A continuação desta última; o maior desenvolvimento possível das faculdades intelectuais.

19. Parece que colocas em primeiro plano o desenvolvimento das faculdades intelectuais, atribuindo menor importância às faculdades morais, apesar do que disseste anteriormente.
Resp. – Meu coração ainda não se encontra bastante formado para bem poder apreciar as outras.

20. Vês outros Espíritos e com eles entras em relação?
Resp. – Sim.

21. Entre eles não haverá alguns que tenhas conhecido na Terra?
Resp. – Sim; Dumont-d’Urville.

22. Vês também o Espírito Jacques Arago, com o qual viajaste?
Resp. – Sim.

23. Esses Espíritos se acham nas tuas mesmas condições?
Resp. – Não; uns mais elevados; outros em posição inferior.

24. Referimo-nos aos Espíritos de Dumont-d'Urville e Jacques Arago.
Resp. – Não desejo particularizar.

25. Estás satisfeito por te havermos evocado?
Resp. – Sim; especialmente por causa de uma pessoa.

26. Podemos fazer algo por ti?
Resp. – Sim.

27. Se te evocássemos dentro de alguns meses, estarias disposto a responder ainda às nossas perguntas?
Resp. – Com prazer. Adeus.

28. Tu te despedes; concede-nos o prazer de dizer aonde vais.
Resp. – Neste ritmo (para falar como o fiz alguns dias atrás) vou atravessar um espaço mil vezes mais considerável que o percurso que fiz na Terra em minhas viagens, que eu considerava tão longínquas; e tudo isso em menos de um segundo, de um pensamento. Irei a uma reunião de Espíritos, onde tomarei lições e poderei aprender minha nova ciência, minha vida nova. Adeus.

Observação – Quem conheceu perfeitamente o Sr. Paul Gaimard confessará que esta comunicação está marcada pelo cunho de sua individualidade. Aprender, ver, conhecer era a sua paixão dominante; é isso que explica suas viagens ao redor do mundo e às regiões do pólo Norte, assim como suas excursões à Rússia e à Polônia, quando do primeiro surto de cólera na Europa. Dominado por essa paixão e pela necessidade de satisfazê-la,conservava um raro sangue-frio diante dos maiores perigos; assim, por sua calma e por sua firmeza ele soube livrar-se das garras de uma tribo de antropófagos que o haviam surpreendido no interior de uma ilha da Oceania.

Uma palavra sua caracteriza perfeitamente essa avidez de ver fatos novos, de assistir ao espetáculo de acidentes imprevistos. “Que felicidade!” – exclamou certo dia durante o período mais dramático da revolução de 1848 – “que felicidade viver numa época tão fértil em acontecimentos extraordinários e imprevistos!”

Seu espírito, voltado quase exclusivamente para as ciências que tratavam da matéria organizada, negligenciara bastante as ciências filosóficas. Assim, poder-se-ia dizer que lhe faltava elevação nas idéias. Entretanto, nenhum ato de sua vida prova que alguma vez tivesse desconhecido as grandes leis morais impostas à Humanidade. Em suma, o Sr. Paul Gaimard tinha uma bela inteligência: essencialmente probo e honesto, naturalmente obsequioso,era incapaz de cometer a menor injustiça a quem quer que fosse. Talvez lhe possamos apenas censurar o ter sido demasiadamente amigo dos prazeres; mas o mundo e os prazeres não corromperam o seu raciocínio nem o seu coração. Por isso o Sr. Paul Gaimard mereceu os pesares de seus amigos e de quantos o conheceram.
Sardou

SRA. REYNAUD

Sonâmbula, falecida em Annonay há cerca de um ano. Embora iletrada em seu estado natural, sua lucidez era notável, sobretudo em questões médicas.

Um de nossos correspondentes que a conhecera,pensando que pudesse obter ensinamentos úteis, dirigiu-nos algumas perguntas para lhe serem feitas, caso julgássemos conveniente interrogá-la, o que fizemos na sessão da Sociedade do dia 28 de janeiro de 1859. Às perguntas de nosso correspondente acrescentamos as que nos pareceram interessantes.

1. Evocação.
Resp. – Eis-me aqui. O que desejais de mim?

2. Tendes uma lembrança exata de vossa existência corporal?
Resp. – Sim, muito precisa.

3. Podeis descrever-nos vossa atual situação?
Resp. – É a mesma dos demais Espíritos que habitam a Terra: geralmente possuem a intuição do bem e, entretanto, não podem conseguir a felicidade completa, reservada somente aos mais elevados em perfeição.

4. Quando viva, éreis sonâmbula lúcida. Poderíeis dizernos se vossa lucidez de então era análoga à que tendes agora, como Espírito?
Resp. – Não; era diferente por não ter a prontidão nem a justeza que meu Espírito possui agora.

5. A lucidez sonambúlica é uma antecipação da vida espírita, isto é, um isolamento do Espírito em relação à matéria?
Resp. – É uma das fases da vida terrena; mas a vida terrena é a mesma que a vida celeste.

6. Que quereis dizer, afirmando que a vida terrestre é a mesma que a vida celeste?
Resp. – Que a cadeia das existências é formada de anéis seguidos e contínuos: nenhuma interrupção lhe detém o curso. Pode-se, pois, dizer que a vida terrestre é a continuação da vida precedente e o prelúdio da vida celeste futura, e assim por diante, para todas as encarnações que o Espírito venha a ter. Daí resulta que entre essas duas existências não há uma separação tão absoluta quanto pensais.

Observação – Durante a vida terrestre o Espírito ou alma pode agir independentemente da matéria, e em certos momentos o homem desfruta da vida espírita, seja durante o sono, seja mesmo no estado de vigília. As faculdades do Espírito se exercem malgrado a presença do corpo, havendo, entre a vida terrestre e a de além-túmulo, uma constante correlação, que levou a Sra. Reynaud a dizer que era a mesma; a resposta subseqüente definiu claramente o seu pensamento.

7. Por que, então, nem todos são sonâmbulos?
Resp. – É que ainda ignorais que todos vós o sois,mesmo durante o sono e em vigília, embora em graus diferentes.

8. Compreendemos que todos o sejamos mais ou menos durante o sono, pois que o estado de sonho é uma espécie de sonambulismo imperfeito. Mas o que quereis significar dizendo que o somos, mesmo em estado de vigília?

Resp. – Não tendes intuições que não percebeis, e que nada mais são que uma faculdade do Espírito? O poeta é um médium, um sonâmbulo.
9. Vossa faculdade sonambúlica contribuiu para o desenvolvimento do vosso Espírito depois da morte?

Resp. – Pouco.
10. No momento da morte estivestes perturbada muito tempo?
Resp. – Não; reconheci-me imediatamente: estava cercada de amigos.

11. Atribuís à lucidez sonambúlica o vosso pronto desprendimento?
Resp. – Sim, um pouco. Já conhecia previamente a sorte dos agonizantes. Contudo, isso de nada me teria valido se eu não houvesse possuído uma alma capaz de encontrar uma vida melhor por outros meios que não fossem apenas ter boas faculdades.

12. É possível ser bom sonâmbulo sem que se possua um Espírito de ordem elevada?
Resp. – Sim. As faculdades estão sempre em relação;apenas vos enganais quando pensais que elas requeiram boas disposições. Não; o que julgais ser um bem muitas vezes é um mal.
Como não compreendeis, irei desenvolver este assunto:Há sonâmbulos que conhecem o futuro, contam fatos passados dos quais nenhum conhecimento possuem em seu estado normal; outros sabem descrever perfeitamente os caracteres daqueles que os interrogam; sabem dizer a idade com exatidão,assim como o montante de dinheiro que carregam consigo, etc. Isso não demanda nenhuma superioridade real; é simplesmente o exercício da faculdade que possui o Espírito e que se manifesta nos sonâmbulos adormecidos. O que requer uma real superioridade é o uso que dela podem fazer para o bem; é a consciência do bem e do mal; é conhecer Deus melhor que os homens; é poder dar conselhos aptos a fazê-los progredir na senda do bem e da felicidade.

13. O uso que o sonâmbulo faz de sua faculdade influi sobre o seu estado de espírito após a morte?
Resp. – Sim, e muito, assim como a boa ou má utilização de todas as faculdades que Deus nos concedeu.

14. Podeis explicar-nos como tínheis conhecimentos médicos, sem haverdes realizado nenhum estudo?
Resp. – É sempre uma faculdade espiritual: outros Espíritos me aconselhavam; eu era médium: é o estado de todos os sonâmbulos.

15. Os medicamentos prescritos por um sonâmbulo são sempre indicados por outros Espíritos ou também são dados instintivamente, como ocorre entre os animais, que vão procurar a erva que lhes é salutar?
Resp. – São-lhes indicados, caso o sonâmbulo peça conselho ou quando sua experiência não lhe seja suficiente. Ele os conhece por suas qualidades.

16. O fluido magnético é o agente da lucidez dos sonâmbulos, como a luz o é para nós?
Resp. – Não; é o agente do sono.

17. O fluido magnético é o agente da visão, no estado de Espírito?
Resp. – Não.

18. Vedes-nos aqui tão claramente como nos veríeis caso estivésseis viva com o vosso corpo?
Resp. – Melhor agora; o que vejo a mais é o homem interior.

19. Ver-nos-íeis igualmente se estivéssemos na obscuridade?
Resp. – Do mesmo modo.

20. Vede-nos tão bem, melhor ou pior do que nos veríeis quando viva, mas em estado sonambúlico?
Resp. – Melhor ainda.

21. Qual o agente ou intermediário que vos faz ver?
Resp. – Meu Espírito. Não tenho olhos nem pupilas,nem retina, nem cílios e, entretanto, vejo melhor do que vedes os vossos vizinhos; vedes através dos olhos, mas na verdade quem vê é o vosso Espírito.

22. Tendes consciência da obscuridade?
Resp. – Sei que ela existe para vós; não para mim.

Observação – Isso confirma o que sempre nos foi dito:a faculdade de ver é uma propriedade inerente à própria natureza do Espírito, residindo em todo o seu ser, enquanto no corpo é localizada.

23. A dupla vista pode ser comparada ao estado
sonambúlico?
Resp. – Sim; trata-se de uma faculdade que não procede do corpo.

24. O fluido magnético emana do sistema nervoso ou está espalhado na atmosfera?
Resp. – Do sistema nervoso; mas o sistema nervoso o extrai da atmosfera, sua fonte principal. A atmosfera não o possui em si; ele vem dos seres que povoam o Universo: o nada não o produz. É, ao contrário, um acúmulo de vida e de eletricidade, liberada dessa multidão de existências.

25. O fluido nervoso é um fluido próprio ou resultaria da combinação de todos os outros fluidos imponderáveis que penetram nos corpos, tal como o calórico, a luz, a eletricidade?
Resp. – Sim e não. Não conheceis bastante esses fenômenos para falardes assim; vossos termos não exprimem aquilo que quereis dizer.

26. De onde provém o entorpecimento causado pela ação magnética?
Resp. – Agitação produzida pela sobrecarga do fluido que o magnetizado concentra.

27. O poder magnético do magnetizador depende de sua constituição física?
Resp. – Sim, mas muito mais de seu caráter; numa palavra: de si mesmo.

28. Quais as qualidades morais que no sonâmbulo podem auxiliá-lo a desenvolver a sua faculdade?
Resp. – As boas. Perguntastes as que podem auxiliar.

29. Quais os defeitos que mais o prejudicam?
Resp. – A má-fé.

30. Quais são as qualidades mais essenciais para o magnetizador?
Resp. – As do coração; as boas intenções sempre firmes; o desinteresse.

31. Quais os defeitos que mais o prejudicam?
Resp. – As más inclinações, ou melhor, o desejo de prejudicar.

32. Quando viva e no estado sonambúlico víeis os Espíritos?
Resp. – Sim.

33. Por que nem todos os sonâmbulos os vêem?
Resp. – Todos os vêem por momentos e em diversos graus de clareza.

34. De onde vem a certas pessoas que não são sonâmbulas a faculdade de ver os Espíritos no estado de vigília?
Resp. – Isso é dom de Deus, como para outros o são a inteligência e a bondade.

35. Essa faculdade procede de uma organização física especial?
Resp. – Não.

36. Pode-se perder essa faculdade?
Resp. – Sim, como pode ser adquirida.

37. Quais são as causas que podem determinar a sua perda?
Resp. – Já o dissemos: as más intenções. Como primeira condição, é necessário que se proponha a fazer bom uso dela; isso posto, deve-se julgar se tal favor é merecido, porquanto ele não é dado inutilmente. O que prejudica os que a possuem é que ela se mescla quase sempre a essa infeliz paixão humana que tão bem conheceis – o orgulho – mesmo quando desejam levar a melhores resultados. Vangloriam-se daquilo que não é senão obra de Deus e,muitas vezes, querem tirar proveito. Adeus.

38. Deixando-nos agora ireis a que lugar?
Resp. – Às minhas ocupações.

39. Poderíeis dizer-nos quais são essas ocupações?
Resp. – Como vós, tenho algumas. Primeiro procuro instruir-me e, para isso, freqüento a sociedade dos que são melhores do que eu; como entretenimento faço o bem e minha vida se passa na esperança de alcançar uma felicidade maior. Não temos nenhuma necessidade material a satisfazer e,conseqüentemente, toda a nossa atividade se volta para o nosso progresso moral.

HITOTI, CHEFE TAITIANO

Um oficial da marinha, presente à sessão da Sociedade no dia 4 de fevereiro último, mostrou desejo de evocar um chefe taitiano chamado Hitoti, que conhecera pessoalmente durante sua passagem na Oceania.

1. Evocação.
Resp. – Que quereis?

2. Poderíeis dizer-nos por que preferistes abraçar a causa francesa na Oceania?
Resp. – Eu gostava dessa nação. Aliás, meu interesse a tanto me obrigava.

3. Ficastes satisfeito com a viagem à França que facultamos ao vosso neto e com os cuidados que lhe dispensamos?
Resp. – Sim e não. Talvez essa viagem tenha aperfeiçoado bastante o seu Espírito, mas o tornou completamente estranho à sua pátria, facultando-lhe certas idéias que jamais brotariam dele.

4. Das recompensas que recebestes do governo francês,quais as que vos deram maior satisfação?
Resp. – As condecorações.

5. E entre essas condecorações, qual a que preferis?
Resp. – A da Legião de Honra.

Observação – Essa circunstância era ignorada do médium e de todos os assistentes; foi confirmada pela pessoa que fazia a evocação. Embora o médium que servia de intermediário fosse intuitivo, e não mecânico, como tal pensamento poderia ser dele mesmo? Poder-se-ia admiti-lo em se tratando de uma pergunta banal, mas isso não seria admissível quando se trata de um fato positivo, do qual nada podia dar-lhe uma idéia.

6. Sois mais feliz agora do quando éreis vivo?
Resp. – Sim, muito mais.

7. Em que estado se encontra o vosso Espírito?
Resp. – Errante; mas devo reencarnar brevemente.

8. Quais as vossas ocupações nessa vida errante?
Resp. – Instruir-me.

Observação – Essa resposta é quase geral em todos os Espíritos errantes; os que se acham mais avançados moralmente acrescentam que se ocupam em fazer o bem, assistindo os que necessitam de seus conselhos.

9. De que maneira vos instruís, porquanto não deveis fazê-lo da mesma maneira que o fazíeis quando vivo?
Resp. – Não; trabalho meu Espírito; viajo. Para vós,compreendo que isto é pouco inteligível; mais tarde vireis a sabê-lo.

10. Quais as regiões que freqüentais com mais boa vontade?
Resp. – Regiões? Persuadi-vos de que não viajo mais à vossa Terra. Vou mais alto, mais baixo, acima e abaixo, moral e fisicamente. Vi e examinei com o maior cuidado mundos ao nascente e ao poente e que ainda se acham em estado de terrível barbárie e outros que se encontram imensamente acima de vós.

11. Dissestes que em breve reencarnaríeis; sabeis em que mundo?
Resp. – Sim; nele já estive várias vezes.

12. Podereis designá-lo?
Resp. – Não.

13. Por que em vossas viagens negligenciais a Terra?
Resp. – Já a conheço.

14. Embora não viajeis mais pela Terra, pensais ainda em algumas pessoas que nela amastes?
Resp. – Pouco.

15. Não vos ocupais, portanto, das pessoas que vos dispensaram afeição?
Resp. – Pouco.
16. Lembrai-vos delas?

Resp. – Muito bem; mas nós nos veremos e espero pagar tudo isso. Perguntam-me se me preocupo com isso? Não; mas nem por isso os esqueço.

17. Não revistes esse amigo ao qual eu aludia há pouco e que, como vós, está morto?
Resp. – Sim; mas nós nos veremos mais materialmente:encarnaremos na mesma esfera e nossas existências se aproximarão.

18. Nós vos agradecemos por terdes atendido ao nosso apelo.
Resp. – Adeus. Trabalhai e pensai.

Observação – A pessoa que fez a evocação e que conhece os costumes desses povos, declara que esta última frase está de acordo com os seus hábitos; entre eles é uma locução de uso um tanto banal, e que o médium não podia adivinhar. Reconhece também que a entrevista, na sua inteireza, condiz com o caráter do Espírito evocado, e que sua identidade é evidente.

A resposta à pergunta 17 oferece uma particularidade notável: Encarnaremos na mesma esfera e nossas existências se aproximarão. É evidente que os seres que se amaram encontrar-seão no mundo dos Espíritos; mas, segundo várias respostas análogas, algumas vezes parece que eles podem seguir-se numa outra existência corporal, na qual as circunstâncias os aproximam sem que de nada desconfiem, quer por laços de parentesco, quer por relações amigáveis. Isto nos dá a razão de certas simpatias.

UM ESPÍRITO TRAVESSO

O Sr. J..., um de nossos colegas da Sociedade, por diversas vezes tinha visto chamas azuis passeando sobre o seu leito. Certo de que se tratava de uma manifestação, no dia 20 de janeiro último tivemos a idéia de evocar um desses Espíritos, a fim de nos instruirmos sobre a sua natureza.

1. Evocação.
Resp. – Que queres de mim?

2. Com que objetivo te manifestaste na casa do Sr. J...?
Resp. – Que te importa?

3. A mim pouco importa, é verdade; mas para ele é diferente.
Resp. – Ah! Bela razão!

Observação – Essas primeiras perguntas foram feitas pelo Sr. Kardec. O Sr. J... prosseguiu com o interrogatório.

4. É que não recebo de bom grado qualquer pessoa em minha casa.
Resp. – Não tens razão; sou muito bom.

5. Dize, então, por favor o que vinhas fazer em minha casa?
Resp. – Por acaso acreditas que, pelo fato de ser bom,eu te deva obedecer?

6. Disseram-me que és um Espírito muito leviano.
Resp. – Julgaram-me muito mal a esse respeito.

7. Se é uma calúnia, prova-o.
Resp. – Não me incomodo.

8. Eu poderia empregar um meio para obrigar-te a dizer quem és.
Resp. – Palavra de honra, isso não poderia senão me divertir um pouco.

9. Intimo-te a dizer-me o que vens fazer em minha casa.
Resp. – Não tinha senão um propósito: divertir-me.

10. Isso não tem relação com o que me foi dito pelos Espíritos superiores.
Resp. – Fui mandado à tua casa e já conheces a razão. Estás satisfeito?

11. Mentiste, pois?
Resp. – Não.

12. Não tinhas, então, más intenções?
Resp. – Não; disseram-te o mesmo que eu.

13. Poderias dizer-nos qual é a tua posição entre os Espíritos?
Resp. – Tua curiosidade me agrada.

14. Pois que pretendes ser bom, por que me respondes de maneira tão pouco conveniente?
Resp. – Acaso eu te insultei?

15. Não; entretanto, por que respondes de maneira evasiva, recusando-te a dar as informações que te peço?
Resp. – Sob o comando de certos Espíritos, sou livre para fazer o que quiser.

16. Ora, ora, vejo que começas a ficar mais razoável e imagino que iremos ter relações mais amigáveis.
Resp. – Deixa de palavreado: será muito melhor.

17. Sob que forma te apresentas aqui?
Resp. – Não tenho mais forma.

18. Sabes o que é o perispírito?
Resp. – Não; a menos que seja o vento.

19. Que poderia eu fazer para te ser agradável?
Resp. – Já te disse: cala-te.

20. A missão que vieste cumprir em minha casa fez que avançasses como Espírito?
Resp. – Isto é outra coisa; não me faças tais perguntas.
Já sabes que obedeço a certos Espíritos; dirige-te a eles. Quanto a mim, peço para ir embora.

21. Acaso teríamos tido más relações em outra existência e seria isso a causa do teu mau humor?
Resp. – Não te lembras de quanto disseste mal de mim,a quem quisesse ouvir? Cala-te, digo-te eu.

22. De ti não falei senão o que foi dito pelos Espíritos superiores a teu respeito.
Resp. – Disseste também que eu te havia obsidiado.

23. Ficaste satisfeito com o resultado que obtiveste?
Resp. – Isso não é contigo.

24. Preferes então que eu conserve de ti uma má impressão?
Resp. – É possível. Vou-me embora.

Observação – Pelas conversas relatadas podemos constatar a extrema diversidade que existe na linguagem dos Espíritos, conforme o seu grau de elevação. A dos Espíritos desta natureza é quase sempre caracterizada pela grosseria e pela impaciência. Quando são chamados às reuniões sérias sentimos que não comparecem de bom grado; têm pressa de partir porque não se sentem à vontade no meio de seus superiores e das pessoas que os embaraçam com perguntas. Não se dá o mesmo nas reuniões frívolas, onde nos divertimos com as suas facécias: estão no seu próprio ambiente e o aproveitam com alegria.
R.E. , março de 1859, p. 104